Inventários de Gases de Efeito Estufa: O que é? Como se aplica à atividades agrícolas?
10:00Em agosto de 2022 me formei em engenharia agronômica e ingressei no programa de pós graduação em Agronomia (Produção Vegetal) da UNESP. A minha linha de pesquisa é: Conservação e Manejo de Agroecossistemas, e dentro dessa linha de pesquisa, eu construí inventários de gases de efeito estufa (GEE). Mas o que tudo isso quer dizer afinal?
Os agroecossistemas são ambientes que foram modificados pelos humanos para servir para produção agrícola, porém não apenas isso. Eles são espaços mais complexos do que uma simples lavoura, eles mesclam tanto a produção agrícola como a ecologia, promovendo sustentabilidade e menor impacto ambiental.
Já os inventários de gases de efeito estufa são basicamente a forma de medir o impacto ambiental, via emissão de GEE, que uma atividade tem. No caso da agricultura, pode ser calculada a quantidade de GEE emitidas em cada uma das operações que ocorrem no campo ou durante o tempo de produção de determinada cultura.
Os inventários surgiram junto do Acordo de Paris, em 2015, quando os países estabeleceram metas de contribuição para redução de suas emissões. Como forma de comprovar que estavam em linha com suas metas, os países deveriam fornecer à comissão do Acordo de Paris, periodicamente, dados que demonstrassem isso. Esses dados deveriam ser o próprio inventário de GEE baseado na metodologia internacionalmente conhecida do IPCC.
O IPCC é o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas, e o órgão máximo sobre este tema. Ele tem um trabalho que visa compilar e avaliar pesquisas realizadas por diversos estudiosos do tema, ao redor do mundo, em diferentes áreas impactadas pelas mudanças climáticas, em relatórios finais que conseguem direcionar as ações políticas para tentar mitigar os efeitos das mudanças climáticas no mundo, ou então se adaptar.
O IPCC é dividido basicamente em 3 grupos de trabalho, mais a força de tarefa para a metodologia de cálculo dos inventários. Os três grupos de trabalho que geram os relatórios que podem ser acessados em seu site são: GT I de Bases Físicas; GT II de Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade; e GT III de Mitigação das Mudanças Climáticas. Já a força tarefa é responsável por ter construído o Guidelines for National Greenhouse Gas Inventories e que foi revisado mais recentemente em 2019.
É com esta metodologia de cálculo de GEE que todos os países constroem seus inventários, além de também ser ela que se torna a base para todas as outras ferramentas construídas por empresas terceiras ou instituições de pesquisa como GHG Protocol e WRI (World Resources Institute). Essas instituições normalmente utilizam desta metodologia e a aplica criando ferramentas mais fáceis de serem utilizadas por funcionários de empresas que, portanto, poderão entender o impacto que suas atividades têm no meio ambiente. O GHG Protocol, por exemplo, reúne diversas empresas em sua plataforma que utilizam de sua ferramenta e contabilizam suas emissões. Ele também possui grupos de atuação em diferentes países, como no Brasil: Programa Brasileiro GHG Protocol, que é coordenado pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV (FGVCes)
A metodologia construída por IPCC, portanto, nada mais é do que equações que por meio de fatores de emissões definidos através de pesquisas e quantidades de produtos utilizados em determinada atividade, é possível chegar ao valor de um determinado gás de efeito estufa, seja ele metano (CH4), óxido nitroso (N2O) ou então dióxido de carbono (CO2).
No caso das atividades agrícolas, diversos produtos utilizados para a produção de alguma cultura, como fertilizantes ou corretivos de solo (calcário), possuem em sua composição moléculas de carbono (C) e de nitrogênio (N) que quando reagem com água, principalmente, podem ser liberados na forma de CO2 e N2O para a atmosfera. Vemos isso em todos os fertilizantes nitrogenados, na ureia e no calcário. O mesmo ocorre para o diesel, combustível fóssil amplamente consumido pelo maquinário agrícola. Já os fertilizantes que não possuem N em sua composição ou então inseticidas e fungicidas, por exemplo, eles podem não liberar estes gases citados, porém, para que fossem produzidos, eles também consumiram energia ou tiveram em sua cadeia de produção algum poluente. Portanto, todos os GEE emitidos na produção de qualquer insumo que será consumido na atividade agrícola, também deverá entrar para o inventário de GEE.
Para facilitar a visualização e entendimento sobre as emissões, os inventários foram divididos em três escopos, que podem ser melhor compreendidos na figura abaixo. Porém, estes escopos não alteram em nada a forma como as emissões são calculadas.
Imagem retirada da dissertação "Inventário de gases de efeito estufa e estoque de carbono do solo em três sistemas de produção de cana-de-açúcar" de Bueno, C. (2024) |
A ideia de se ter um inventário de GEE em uma fazenda ou empresa é justamente demonstrar qual o impacto de suas atividades ao ambiente e ajudar a direcionar esforços para o local certo onde deve ocorrer a redução ou mitigação das emissões.
Atualmente, a sigla ESG (Environment, Social and Governance) tem se tornado cada vez mais forte no mercado, e dentro do pilar E, de meio ambiente, está a criação de inventários de GEE para posterior divulgação de seus resultados em Relatórios de Sustentabilidade que devem ficar disponíveis a todos os stakeholders (pessoas interessadas). Você pode encontrar vários desses relatórios nos sites de empresas de diversos segmentos e se torna interessante avaliá-los para conseguir compreender se essas empresas são tão sustentáveis como dizem. Veja alguns exemplos para as empresas agrícolas:
Capa do relatório de sustentabilidade da empresa Suzano |
Capa do relatório de sustentabilidade da empresa Sylvamo |
No caso do meu projeto de mestrado, o intuito foi construir 3 inventários de GEE de acordo com diferentes sistemas de produção da cultura da cana-de-açúcar. Esses sistemas de produção são reais e possuem características operacionais que os difere e a hipótese é que eles também poderiam se diferenciar em emissões. A hipótese foi comprovada e, com os resultados obtidos, pudemos definir qual sistema de produção seria o menor emissão e melhor produtor, obtendo um resultado que beneficia tanto economicamente como ambientalmente aquela produção.
O cálculo de emissões é uma importante ferramenta para nos ajudar a combater os efeitos das mudanças climáticas e é de extrema importância que grandes empresas, como a agroindústria, possa compreender que existem métodos de produção benéficos ao ambiente e também ao seu negócio.
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